II Feira Sementes e Saberes: Saúde e resistência do território A’uwe Xavante
II Feira Sementes e Saberes: Saúde e resistência do território A’uwe Xavante

II Feira Sementes e Saberes: Saúde e resistência do território A’uwe Xavante

Por George Daniel Rodrigues Fonseca
Editado por George Daniel Rodrigues Fonseca

Publicado em 28 de Outubro de 2019 às 16:26

Na base da Serra do Roncador, local considerado sagrado pelo povo A’uwe, aconteceu nos dias 19, 20 e 21 de outubro dentro da aldeia Santa Cruz/Ripá, Terra indígena (TI) Pimentel Barbosa, comunidade apoiada pelo DGM Brasil, através da inciativa “Sementes da Vida” e executada pela Associação Xavante Ripá de Produtividade e Etnodesenvolvimento no município de Canarana/MT, a segunda edição da Feira de Sementes e Saberes do povo A’uwe Xavante. Dentre os participantes estavam os anfitriões Xavante, os povos convidados Krahô (Aldeia Pedra Branca), Xerente (Aldeia Porteira Norodzawi) e Kanela (vindos do Maranhão), e também, colaboradores não indígenas que trabalhando em conjunto com o povo Xavante, puderam promover um intercâmbio cultural enriquecedor para todos e elevando a autonomia do povo local nos processos com as sementes. Realizado pela associação Xavante AIRE (Associação Indígena Ripá de Etnodesenvolvimento), o evento foi apoiado pelo ISA (Instituto Socioambiental) e Rede Sementes do Xingu, e pela Coordenação regional da Funai de Barra do Garças e Palmas.

A aldeia Ripá já está na segunda edição da feira e busca desde 2013, quando se tornou membro da Associação Rede Sementes do Xingu, aprimorar a organização da comunidade e a formação profissional para ter autonomia sobre os processos da cadeia produtiva de sementes. As sementes coletadas pelos Xavantes no próprio território ou adquiridas em feiras de sementes em parceria com outros povos são plantadas ao redor das casas, sendo as mais estimadas direcionadas para cultivo em áreas de recuperação, como nas áreas mais antigas ou áreas de nascentes e córregos que abastecem a aldeia. Foi construída recentemente na aldeia uma Casa de Sementes, que vai garantir a qualidade do armazenamento, gerando maiores possibilidades de controle sobre elas. A busca pelo fortalecimento da identidade do território indígena e da sua proteção se vê presente nesse movimento, e ela garante um bom futuro para todos os envolvidos.

Falando sobre soberania alimentar, é comprovado que nas áreas onde se executa o trabalho com as sementes nativas e o incentivo à alimentação tradicional a saúde das crianças, principalmente, se eleva. Diabetes e hipertensão, por exemplo, são doenças controladas na região.

Nesse sentido, o trabalho desenvolvido em parceria com o ISA e Associação Rede Sementes do Xingu tem papel importante dentro da aldeia. Motivados por esse trabalho, “conseguimos começar a abordar outro uso e alternativas de uso do território Xavante a partir da coleta de sementes, conseguimos viabilizar a renda, resgatar a cultura de coleta que já era uma prática presente dentro da cultura Xavante, e isso tem gerado pra eles, principalmente imediatamente, a geração de renda, mas também o fortalecimento de uma organização social, porque, trabalhando dentro da Rede, eles fazem reuniões, pensam o território, o reconhecimento do território também, porque como fazem as expedições tem a vigilância constante do território. Eles começam a olhar o território de outra forma, por exemplo na questão da saúde, eles começam a se alimentar melhor, porque ao coletar sementes eles também usam essas sementes na alimentação, que é uma questão muito importante”, conta João Carlos Pereira, técnico em restauração que trabalha com os grupos coletores dentro do ISA acompanhando a qualidade e a produção das sementes florestais. Especificamente na TI Pimentel Barbosa, por causa da aproximação com a cidade, essas questões são muito importantes para combate do alcoolismo e da má alimentação, além de uma visível valorização da cultura e resgate cultural do povo, ressalta João.

As mulheres são as principais responsáveis pela atividade que garante grande parte da preservação da biodiversidade dentro da aldeia: a expedição pelo território para coleta de sementes nativas.

Na primeira manhã do evento ocorreu a Dzomori (expedição de coleta de sementes), onde as mulheres coletaram Buritis, para a oficina de cestaria tradicional da parte da tarde, e sementes, para trocar na feira da manhã seguinte, dentre elas o Jatobá e Orelha de Macaco. Elas retornam numa caminhada percorrendo a base da Serra do Roncador de quase 3km da área de coleta até a aldeia, com suas cestas cheias de sementes, e com os Buritis pendurados nas costas ou carregados acima de suas cabeças. Mulheres de força visível. Existem hoje três grupos responsáveis pela expedição: os jovens do grupo Nödzö’u, as mulheres em conjunto com suas filhas e netas, e os caçadores, que acompanham indicando a direção e atualizando os caminhos da região de coleta.

A programação do evento, que foi pensada pelo povo Xavante em conjunto com Alexandre Lemos, produtor da feira, indigenista e diretor de projetos da associação AIRE, buscava acrescentar saberes à formação dos próprios indígenas através de rodas de prosa sobre diversos assuntos, como territorialidade, cultura nativa, desafios e superações na atualidade, alimentos ancestrais, saúde indígena, sócio-biodiversidade, entre outros.

Encontro na casa de reunião para roda de prosa. Foto: Raissa Azeredo

Outra forma de somar foi o compartilhamento de conhecimentos trazidos pelos colaboradores e parentes presentes, visando melhorar o manejo, o volume e a qualidade das sementes encontradas dentro do território Xavante.

Falou-se sobre técnicas de coleta de sementes utilizadas em territórios Krahô e sobre o desenvolvimento de projetos para a preservação dessas áreas e de suas tradições; sobre técnicas de projetos arquitetônicos com base em materiais orgânicos trazidas pelas colaboradoras Marjorie Yamaguti e Ana De Carli; sobre demarcação do território com o mestre em Geografia Magno Silvério.

É visível que a troca de conhecimento beneficia todos os envolvidos. Os colaboradores chegam com muito para compartilhar, mas terminam o evento com novas visões. “Meu trabalho é explorar materiais orgânicos para criação de arte-instalações, majoritariamente utilizo bambu como matéria prima por causa da minha longa experiência pela Ásia. A vivência na aldeia Xavante me apresentou um portfólio de fibras naturais, palhas e madeiras locais. Quando se trata de materiais orgânicos, muito além da construção, o reconhecimento do material, manejo de colheita e técnicas para preparar o material compõem parte do meu estudo de criação e mesclam com o respeito ao tempo real e natural da matéria - a efemeridade como lei acima das artificialidades humanas. A prática ancestral à arquitetura vernacular me inspirou durante todos dias de trabalho e o processo se tornou ainda mais enriquecedor pela cultura Xavante em relação ao local sagrado”, conta Marjorie.

A programação também contou com a parte cultural, repleta de momentos reservados para compartilhar as culinárias tradicionais dos povos presentes, a presença de cantos ancestrais durante todo o dia, e oficinas de artesanato tradicional, com confecção de cestaria e flecha.

Um momento marcante do evento foi a Ui'wede, que é a corrida de tora de buriti entre clãs e etnias, culturalmente vivida pelo povo Xavante e Krahô. A corrida foi acompanhada pelas mulheres e jovens torcendo pelo seu clã, sob sol quente de quase meio dia, finalizada com a vitória do time do povo Krahô e comemorada com canto e dança tradicionais.

Corrida de toras de buriti. Foto: Raissa Azeredo

Durante a feira foram trocadas diversas variedades de sementes, estas trazidas pelos visitantes e disponibilizadas pelo povo Xavante. Vários dos tipos eram novidade por nunca terem sido vistos nessa região, e o interesse despertava quando isso acontecia. Durante as trocas, os saberes tradicionais de manejo, colheita e plantio foram compartilhados, a semente chega na mão de destino acompanhada de histórias muitas vezes milenares.

Durante toda a realização do evento fica clara a importância que tem o diálogo de troca de saberes entre povos. Não apenas para os povos originários lá reunidos, mas a importância de expandir e compartilhar os conhecimentos também é fundamental para a garantia da saúde de todos do país. José Guimarães Serenhomo Sumené Xavante, cacique da aldeia e presidente da associação, sempre abria o dia com Warã, que é a reunião do povo Xavante, e ela acontece sempre no centro da aldeia para compartilhar informações e tomar decisões importantes, onde todos têm direito à fala e as decisões são todas tomadas num consenso geral. Para eles, falar sobre sementes é falar sobre a vida inteira de seu povo, sobre saúde, sobre a organização da comunidade. Falar sobre alimentação também é falar sobre território, sobre sustentabilidade e preservação do meio ambiente, e sobre resistência e sobrevivência. Sumené compartilhou, logo após o fim da feira, um pedaço de bolo tradicional de milho Xavante entre todos os convidados, e disse o quanto estava feliz de receber todos ali e poder compartilhar comida de verdade, da terra, de tradição. Para o povo Xavante, partilhar é multiplicar, e aprender é engrandecer.

Por: Raissa Azeredo

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