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Brejo dos Crioulos festeja a união dos povos no mês da Consciência Negra

Publicado em 6 de Dezembro de 2017 às 17:07

Brejo dos Crioulos festeja a união dos povos no mês da Consciência Negra

Em 18 de novembro de 2017, as oito comunidades quilombolas que constituem o território de Brejo dos Crioulos  - entre os municípios de São João da Ponte, Varzelândia e Verdelândia, bem como entidades parceiras, se reuniram no povoado de Caxambu I para um dia de reflexão acerca da situação atual do negro quilombola no Brasil e para celebrar a cultura negra com apresentações de capoeira, dança, batuque, lundu e culinária típica.

“É a primeira vez que celebramos a Consciência Negra aqui em Caxambu I. Esse momento, que só foi possível com a união de todas as comunidades do território de Brejo dos Crioulos, vai ficar guardado em nossa memória”, afirmou Paula Cardoso de Oliveira, liderança em sua comunidade. “A chance que a gente não teve, hoje a gente vê se realizando nos filhos da gente, nos netos, nos sobrinhos, em todos dessa nova geração. Então é motivo de muita alegria”, acrescentou a quilombola, orgulhosa mãe de filha enfermeira e filho sacerdote da Igreja Católica.

Segundo Francisco Cordeira Barbosa, mais conhecido por Ticão, da comunidade de Araruba, antes o festejo da Consciência Negra se concentrava em seu povoado e no acampamento. Agora, a ideia é que seja uma celebração anual itinerante, percorrendo todas as localidades. “Cada ano será em um grupo local diferente, pois a gente percebe que as comunidades não se deslocam muito, e esse é um trabalho para conscientizar as pessoas sobre a realidade do negro no Brasil. O próprio negro não sabe bem a sua história. Nós somos mais de 50% da população brasileira, mas não vemos a mesma proporção de políticos negros. Nós somos a metade da sociedade, porém é um segmento que se encontra abaixo da linha de pobreza. Nos negaram tudo: saúde, educação, alimentação, trabalho, segurança, moradia... Isso é culpa do Estado, não é de Deus”, explicou.

Ao lado da estrutura montada para as apresentações, foi disposta uma tenda com alimentos tradicionais, a base de espécies crioulas de milho, mandioca e batata doce. “Um evento como esse causa uma emoção muito grande, porque parece que viajamos no tempo. A gente vê o resgate da memória dos nossos antepassados, da cultura, dos costumes, dos bons hábitos que eles tinham, os cantares deles, a relação com as variedades de sementes, com os tipos de criação de animais, a culinária temperada com os segredos da vovó. Então, uma celebração dessa impacta a comunidade do Brejo, porque desperta, dá uma sacudida”, emocionou-se Evaldo Pereira Lima, o Loro, agricultor familiar da comunidade de Furado Modesto.

Além de preservar os saberes da culinária dos antigos, Loro também mantém viva a cultura musical de outrora. “Fiz questão de aprender aqueles instrumentos ali, a viola caipira, o violão, a sanfona, o acordeão, aprendi esses instrumentos e muitas canções antigas dos nossos antepassados. É importante resgatar para preservar as canções que falam sobre a cultura da nossa região, algumas até da autoria do meu avô”, revelou.

Debate e reflexão

Além das manifestações culturais trazidas pelos alunos e alunas das Escolas Estaduais Deusania de Brito Sales (Furado Seco) e Gilberto Alves Coutinho (Orion), o evento propiciou momentos de debate, com a participação de entidades comprometidas com a luta de Brejo dos Crioulos, tais quais a Federação das Comunidades Quilombolas do Estado de Minas Gerais (N´golo), o Centro de Agricultura Alternativa do Norte de Minas (CAA-NM), a Comissão Pastoral da Terra (CPT) e o Centro de Documentação Eloy Ferreira da Silva (Cedefes).

“Estamos passando por uma fase de muita crise, de perda de direitos, então precisamos nos organizar para lutarmos juntos para não sermos engolidos. Vínhamos construindo nosso projeto há 30 anos, mas agora estamos perdendo os avanços, os direitos que conquistamos enquanto povos e comunidades tradicionais”, declarou o geraizeiro Braulino Caetano dos Santos, em nome da Articulação Rosalino Gomes e do Conselho Nacional de Povos e Comunidades Tradicionais. “Esse trabalho que está sendo desenvolvido aqui hoje vai produzir muitos frutos, porque eu acredito muito na juventude, a exemplo do jovem Maciel, que deixou sua comunidade para cursar o seminário, e hoje, como sacerdote, retornou para beneficiar o seu povo”, completou.

Para Dermita Cardoso, da comunidade de Puris, no município de Manga, “o Dia Nacional da Consciência Negra é uma data para conscientizar o próprio povo negro, para que possa se auto afirmar enquanto descendentes de africanos, para assumir nossas cores, nossos cabelos, nossas raízes. É o nosso povo que tem que acreditar em si mesmo e trabalhar para si. Só assim firmamos o pé no chão e conseguimos o que tanta gente almeja, que é a nossa liberdade, sustentabilidade, possibilidade de viver de acordo com nossa cultura”.

Como Diretora de Educação, Política, Formação e Comunicação na Federação das Comunidades Quilombolas do Estado de Minas Gerais (N´golo), Dermita acompanha as escolas nas comunidades quilombolas, orienta o trabalho de conscientização das crianças acerca da origem delas, de suas raízes, para que possam crescer fortes e conscientes, para formar militantes que assumam esse trabalho e façam valer os direitos das comunidades quilombolas.

“Nosso trabalho é mostrar as diversas possibilidades de formação a que as crianças e adolescentes têm direito, para que se tornem profissionais engajados na luta e comprometidos com as suas comunidades de origem”, contou. “Todo mundo sabe a situação do país hoje. Os decretos estão aí. Então é hora de lembrar lá de trás, lá quando Ticão levantou, quando Zuitão (Jesuíto do Quilombo da Lapinha) lutou... Eles enfrentaram muita luta. Então precisamos voltar a ter isso, a nos unir... Juntos nós vamos conseguir. A educação é uma porta aberta pra gente adquirir conhecimentos, para as crianças cresceram sabendo o que é território, para elas poderem assumir a cor delas”, acrescentou.

Celebração eucarística

O evento contou ainda com a celebração de uma missa conduzida pelo novo arcebispo de Montes Claros, Dom João Justino, que conheceu o Brejo dos Crioulos naquele dia e ofereceu apoio da Arquidiocese: É com alegria que estou aqui pela primeira vez, para conhecer vocês, saber das lutas de vocês, partilhar da vida com vocês. Agradeço o convite aos irmãos e irmãs, especialmente ao padre Maciel, que é filho dessa comunidade, que é do clero de Montes Claros, e que está me introduzindo nesse caminho, nessa história de Brejo dos Crioulos”.

Por sua vez, o jovem padre Maciel reforçou que a luta deve começar a partir do povo quilombola: “Devemos refletir sobre a nossa identidade enquanto quilombolas que somos, para que nós possamos reforçar o nosso vínculo para lutarmos pelos nossos direitos. Se nós não lutarmos pelos nossos direitos, quem vai lutar por nós? Então, a luta começa a partir de todos nós, quilombolas. Hoje está sendo um dia muito especial, pois estamos refletindo sobre a nossa identidade a partir das nossas manifestações culturais”.

 


Postado por: Paula Lanza Barbosa
Editado por: Paula Lanza Barbosa